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Dualismo Joanino

 Prólogo

Falaremos em breves linhas, um pouco sobre a vida e os escritos do Apóstolo João, que foi um grande homem de Deus. Marcou não somente seu tempo como também tem marcado a história da igreja ao longo dos séculos. Veremos aqui um pouco do dualismo joanino e de como ele apresenta apenas dois caminhos ou duas direções que o homem pode seguir, quase que excluindo enfaticamente uma terceira via ou qualquer tido de isenção e neutralidade, não deixando brecha para a imparcialidade, a exemplo de Jesus, “...quem comigo não ajunta, espalha” (Lc 11:23b).

 

O Apóstolo do Amor

            Falar dos escritos e da pessoa do Apóstolo João sem mencionar a palavra amor é quase uma missão impossível. João filho de Zebedeu, irmão de Tiago, também Apóstolo de Cristo. João foi um homem que, antes de conhecer a Jesus, seguiu os caminhos de seu pai e era pescador. Mas logo após o encontro com o mestre mudou de ramo e passou a “pescar homens”, dedicou sua vida a propagar o evangelho de seu mestre Cristo Jesus.

            João conviveu com Jesus, esteve a seu lado em momentos muito importantes, como na transfiguração (Jo 17:1-3), na ceia estava assentado ao lado de Cristo e sobre seu ombro repousou (Jo 13:25 e 21:20), foi um dos primeiros a ir ao sepulcro logo após a morte de Jesus (Jo 20:2-4), além de ter sido o primeiro a reconhecer Jesus na praia no episódio da pesca maravilhosa no Mar de Tiberíades (Jo 21:7).

            Não se pode negar que o Apóstolo João tinha grande intimidade e amor por Jesus e que o exemplo de vida de Cristo espelhou os ensinamentos que ele passou a transmitir. Uma forma de constatar isso é quando lemos seus escritos, onde é ressaltado o amor, a fé, a busca por santidade e retidão, a divindade e humanidade de Cristo e o combate as doutrinas errôneas e aos falsos mestre.

            João emanava amor, ele encorajava seus discípulos a amar e perdoar. O amor deveria prevalecer sobre o ódio e a amargura. Vemos claramente em suas cartas como ele amava e zelava pelos seus “filhos na fé”, com expressões como: “filhinhos” e “amados”. Além de um líder, um pastor e um pai espiritual.

 

Seus Escritos

            João, juntamente com Paulo, é um dos maiores autores no Novo Testamento do ponto de vista do número de livros de sua autoria. Seus escritos são: O Evangelho de João, as três cartas 1ª, 2ª e 3ª João e por último o Livro de Apocalipse., totalizando cinco livros canônicos.

            Cada livro tem um objetivo muito específico, além também de terem sido escritos em momentos diferentes da vida de João. Em ordem temos:

O Evangelho - o foco é confirmar que Jesus era o Cristo de Deus, apresentar esse Cristo aos que ainda não haviam crido, mesmo tendo visto e convivido com Jesus. Ou seja, muitos dos que viveram com Jesus e viram seus sinais e prodígios ainda duvidavam da divindade de Jesus. João procura confirmar e mostrar que de fato Jesus era o messias profetizado na lei e nos profetas. Por isso, João não se preocupa em falar muito acerca do nascimento e primeiros passos de Jesus enquanto menino e também não foca no que estava ocorrendo ao redor de Jesus como vemos nos outros Evangelhos, ele mira os milagres. É sem dúvidas uma mostra de como o autor queria mostrar a divindade e o poder de Jesus.

As cartas – vemos aqui um João mais velho, o Apóstolo muito provavelmente já de idade bem avançada, o último dos doze ainda vivo. Uma das características dessas cartas é o combate as heresias e aos falsos mestres. Nos tempos de João o gnosticismo tinha se fortalecido e ameaçava a igreja do Senhor com seus falsos ensinos. Uma das preocupações de João era garantir a salvação de todos os que já se encontravam convertidos em Cristo Jesus. Muitos dos que tumultuavam a igreja haviam saído do meio da mesma (1Jo 2:19). Os gnósticos acreditavam que a matéria é essencialmente má, logo toda a criação de Deus era má por ser matéria e que o espírito era essencialmente bom, e este se encontrava aprisionado no corpo e precisava ser liberto. Isso fez com que surgisse duas correntes, o ascetismo e a libertinagem. Os ascetas abdicavam de tudo que, na visão deles, fosse prazeroso a carne e se isolavam da sociedade na busca da santificação de seu corpo. Já os libertinos, entregavam-se em prazeres e na prostituição, uma vez que criam que o corpo vai perecer por ser mau e não ter valor, acreditando que o conhecimento era a chave da evolução espiritual. Outra grande heresia combatida por João nas cartas era o ensinamento gnóstico que rejeitava a divindade e humanidade de Cristo, como eles acreditavam que a matéria era essencialmente má, não era cabível um Deus vir em forma humana e pior, ao morrer e se “desprender da carne má”, ressuscitar e  voltar para a mesma. Isso era algo completamente absurdo do ponto de vista gnóstico. Por isso João dedica boa parte de sua carta a confirmar que Jesus era o Cristo, homem e Deus, testemunhado pela água e pelo sangue, ou seja, no seu batismo no Jordão e na sua morte na cruz. Para João quem negasse isso era o anticristo (1Jo 2:22), quem não reconhecesse que Jesus veio em carne era do maligno e não deveria receber atenção(2Jo 1:10). E é claro, não poderia faltar a ênfase na prática do amor, não só de boca, mas na prática (1Jo 3:18) e de que mesmo sendo maltratado por outros não deveriam retribuir o mal, antes retribuir com o bem (3Jo 1:11).

A Revelação ou Apocalipse – o livro de Apocalipse tem uma literatura completamente diferente, não só comparado com os outros escritos de João, mas também em comparação com todo o Novo Testamento. É preciso considerar que se trata em muitos pontos de analogias, poesia e ilustrações, em certos casos vemos presentes zoomorfismo. O Apocalipse se dá no sentido de revelação, ou de “tirar o véu”. O profeta em exílio na ilha de Patmos tem uma visão de acontecimentos futuros referente a volta triunfante de Jesus para julgar as nações e resgatar seu povo. O que podemos perceber em comparação com o quarto Evangelho se da na pessoa de Jesus. Em ambos é apresentado Jesus como o salvador do mundo e aquele que reina, o Cristo de Deus. Vemos também a presença de cartas dentro do livro, direcionadas a sete igrejas, o que entende-se uma referencia a todo o povo de Deus espalhado, uma vez que existia mais de sete igrejas, como se fosse uma expressão de hoje no sentido de “quatro cantos da Terra”, ou seja, a todos os servos de Cristo no mundo. Cada igreja tem uma mensagem bem específica. A carta é finalizada com a esperança na volta de Cristo e na vitória do Senhor Jesus sobre o mal e satanás, o resgate de sua noiva, a igreja, e na esperança breve de sua volta; Maranata, vem Senhor Jesus!

  

Considerações Finais

            Podemos aprender com os escritos do Apóstolo João que Jesus é o Cristo de Deus e que ele veio em carne ao mundo e viveu entre nós, anunciou seu evangelho, foi traído, morto e que ao terceiro dia ressuscitou e reina eternamente. João conviveu com o Senhor Jesus, ele deixa isso muito claro em 1ª João, ao dizer: “... o que ouvimos, o que vimos com nossos olhos, o que contemplamos e nossas mãos apalparam...”(1Jo 1:1). Ou seja, ele esteve presente, foi testemunha ocular de todas as obras de Cristo. Com certeza um dos ensinos de Jesus que são expressos nos escritos joaninos, se da na escolha pessoal de cada pessoa que vive neste mundo. Jesus deixa bem claro que para segui-lo era necessário fazer uma escolha, ou continua como está ou muda de direção.

            João, assim como Jesus, deixa claro que é necessário um posicionamento firme e irredutível, além de mostrar que em Deus não há dúvida ou parcialidade, não existe meio termo, não se cogita a possibilidade de se manter em cima do muro ou em posição de neutralidade. O próprio Jesus vai dizer: “quem não está comigo, está contra mim; e quem comigo não ajunta, espalha.” (Lc 11:23).

            Está presente em diversos momentos da carta a completa oposição que uma vida com o Senhor deve ter com uma vida de pecado e devassidão, talvez as cartas joaninas sejam o melhor exemplo prático de como o Apóstolo apresentava os ensinamentos deixados pelo seu senhor e mestre Jesus, vemos uma clara distinção entre luz e trevas, e deixado bem claro que Deus é luz e não a possibilidade de nele haver trevas (1Jo 1:5), que Jesus e Deus são um e que para termos um é necessariamente preciso ter o outro, ou se tem os dois ou então não se pode ter nenhum (1Jo 2:23), não se pode amar a Deus e ao mundo ao mesmo tempo (1Jo 2:15), ou pertencemos a Deus ou ao Diabo (1Jo 3:8-10). Não há como negar o contraste apresentado por João em seus escritos, a vida cristã necessita de pegarmos nossa cruz e seguir a Cristo, não nos é apresentado nas Escrituras um terceiro caminho ou uma terceira porta, Jesus é o caminho (Jo 14:6), a porta estreita (Mt 7:13-14). Uma terceira via na verdade leva ao mesmo destino da que nos afasta de Deus, é evidente que a dualidade, não apenas joanina, mas bíblica não abre margem para uma terceira opção de escolha.

            Lembro-me de uma história que pode muito bem exemplificar a questão dos lados a serem escolhidos por nós nesta batalha espiritual, certa vez um amigo me disse:

Lucas, um homem estava indeciso em onde ele queria passar a eternidade e se encontrava em cima de um muro que fazia a divisão entre o céu e o inferno, não tendo certeza de qual lado escolheria para descer do muro, se o lado do céu ou o do inferno. No lado do céu os anjos gritavam e pediam para ele descer e vir para o céu e insistentemente os anjos gritavam e faziam grande campanha para que aquele homem decidisse descer do muro e escolher o lado do céu para viver; e foi assim por um grande período. Até que o homem olha para o outro lado, o do inferno, e lá ele avista vários demônios bem tranquilos e calmos, sem se importar nem um pouco com o fato do homem se achar em cima do muro. O homem então diz a um dos demônios: estou a horas neste muro e vocês não me disseram nada, os anjos do outro lado a todo o instante procuravam me convencer a ir para o lado deles, por que vocês não fizeram o mesmo? Ao passo que o demônio respondeu: fique tranquilo, o muro é nosso!   

 

Portanto, com essa simples história, podemos concluir que uma caminhada com Cristo requer uma escolha e esta escolha se diferencia e muito da normalidade do mundo, ou somos da verdade ou da mentira, ou servimos a Deus ou ao mundo, ou iremos para o céu ou para o inferno, ou somos um sal com gosto ou somos lançados fora, ou temos Cristo em nós ou não, não existe a possibilidade de sermos um santuário provisório, ou somos templo do Espírito Santo ou escravos do pecado, existe uma gigantesca incompatibilidade entre os dois lados e como a água e o óleo, não se pode misturar.

 

Referências:

 

LOPES, Hernades Dias. 1, 2, 3 João: como ter garantia da salvação. São Paulo: Hagnos, 2010.

LOPES, Hernades Dias. João: as glórias do filho de Deus. São Paulo: Hagnos, 2015.

STOTT, John R W. 1, 2, 3 João: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982. Título original em inglês: Epistles of John, An Introduction and Commentary Tyndale New Testament Commentaries.

Bíblia Almeida Século 21. 3. ed. SÃo Paulo: Vida Nova, 2013. 1075 p.

ALEXANDER, Pat; ALEXANDER, David. MANUAL BÍBLICO SBB. 3. ed. Barueri, Sp: Sociedade Bíblica do Brasil, 2008. Título original em Inglês: The New Lion Handbook to the Bible.

BÍBLIA KING JAMES ATUALIZADA: edição original de estudo 400 anos. Rio de Janeiro: Sociedade Bíblica Ibero-Americana, 2018.

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